8 de novembro de 2016

Poema Narrativo

Os Bigodes

Entre esparsas roçadas e olarias que fumegavam na vespertina
seguia o rumo, ramerrame, aquele acomodado lugarejo,
lugar onde o tempo descansava e a pressa não chegava
Eu, rapazola alheio, meio parvo, meio arisco,
lidava no açougue do Português descarnando ossos
separando sebo, esganando a galinhada e limpando cisco.
Meu apelido na escola era “carnicinha” –
Maldito cheiro de carnes que me acompanhava.

Um dia passou por lá o Bigode Fidélis,
capiau mirrado, oleiro de poucas posses.
Boné  esfumaçado, mão amarelenta de amassar barro
suava bodum de telha queimada
Entrou de fronte erguida, olhou soturno. Um resto de dignidade…
Pediu um fiado pro sustento da semana, crédulo da boa-fé.
O português, de faca na mão afiando-lhe o gume,
esbravejou num desdenhoso sermão
sequer voltando os olhos para além do santuário do balcão:
– Não tem tostão, não comas carne; teimosia de botocudo querer o que não lhe é!
E continuou ruminando, com língua carnicenta
mais resmungos de azedume.
– Português unha de fome chifrudo! – berrou Fidélis, crescido no orgulho ferido,
mas já batendo os calcanhares pra fora do recinto.

Desse feito pra frente, todos os dias passava ali o Fidélis
desengasgando uma ofensa pronta
– Português chifrudo avarento!
No sétimo dia, depois da sétima ousadia, vermelhou-se o portuga:
– Chega de humilhação! Basta-se isto! Dou fim nesta afronta!
Três tiros. Foi o preço que cobrou.

Encarcerado, não concordava com o que a justiça queria lhe impor:
Afinal, como poderia resgatar a alma da honra sem sacrificar o corpo inútil do ofensor?
Condenado a 30 anos de reclusão, desossando as horas do dia
Moendo as agruras do crime, enchendo tripas com culpas
seria esse seu calvário de pagão.
Desacorçoado, nem vinte noitadas na cela durou
Gangrenou-lhe o orgulho ferido, enterrou-se na cova do tormento
Deu cabo à própria vida, deu fim à aflição.
Sepultamento breve; sobraram alças, faltaram mãos
posto que finado mofino não enche velório
e orgulho não pesa no caixão.
Só de longe ouviu-se breve manifestação:
Eram os ex-parceiros de cela dando vivas - sobrara mais marmita na prisão

Mal esfriado o corpo na sepultura
passou a tocar o negócio a viúva do portuga.
Fez pequena reforma para tirar lembranças do falecido
trazendo como ajudante seu novo companheiro,
o ex-amante agora assumido.

Deixei do açougue e fui ajudar meu pai com a criação
De limpar o chiqueiro ele me encarregava
Assim como da tarefa de alimentar a porcada
– Meu apelido na escola agora era “lavaginha”

Maldito cheiro de porcos… que me acompanhava

E. Jovanucci

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