Os Bigodes
Entre esparsas roçadas e olarias que fumegavam na vespertina
seguia o rumo,
ramerrame, aquele acomodado lugarejo,
lugar onde o tempo
descansava e a pressa não chegava
Eu, rapazola alheio,
meio parvo, meio arisco,
lidava no açougue do
Português descarnando ossos
separando sebo, esganando
a galinhada e limpando cisco.
Meu apelido na escola
era “carnicinha” –
Maldito cheiro de
carnes que me acompanhava.
Um dia passou por lá o
Bigode Fidélis,
capiau mirrado, oleiro
de poucas posses.
Boné esfumaçado, mão amarelenta de amassar barro
suava bodum de telha
queimada
Entrou de fronte
erguida, olhou soturno. Um resto de dignidade…
Pediu um fiado pro
sustento da semana, crédulo da boa-fé.
O português, de faca na
mão afiando-lhe o gume,
esbravejou num
desdenhoso sermão
sequer voltando os
olhos para além do santuário do balcão:
– Não tem tostão, não
comas carne; teimosia de botocudo querer o que não lhe é!
E continuou ruminando,
com língua carnicenta
mais resmungos de
azedume.
– Português unha de
fome chifrudo! – berrou Fidélis, crescido no orgulho ferido,
mas já batendo os
calcanhares pra fora do recinto.
Desse feito pra frente,
todos os dias passava ali o Fidélis
desengasgando uma
ofensa pronta
– Português chifrudo
avarento!
No sétimo dia, depois da
sétima ousadia, vermelhou-se o portuga:
– Chega de humilhação!
Basta-se isto! Dou fim nesta afronta!
Três tiros. Foi o preço
que cobrou.
Encarcerado, não
concordava com o que a justiça queria lhe impor:
Afinal, como poderia resgatar
a alma da honra sem sacrificar o corpo inútil do ofensor?
Condenado a 30 anos de
reclusão, desossando as horas do dia
Moendo as agruras do
crime, enchendo tripas com culpas
seria esse seu calvário
de pagão.
Desacorçoado, nem vinte
noitadas na cela durou
Gangrenou-lhe o orgulho
ferido, enterrou-se na cova do tormento
Deu cabo à própria
vida, deu fim à aflição.
Sepultamento breve; sobraram
alças, faltaram mãos
posto que finado mofino
não enche velório
e orgulho não pesa no
caixão.
Só de longe ouviu-se
breve manifestação:
Eram os ex-parceiros de
cela dando vivas - sobrara mais marmita na prisão
Mal esfriado o corpo na
sepultura
passou a tocar o
negócio a viúva do portuga.
Fez pequena reforma
para tirar lembranças do falecido
trazendo como ajudante
seu novo companheiro,
o ex-amante agora
assumido.
Deixei do açougue e fui
ajudar meu pai com a criação
De limpar o chiqueiro
ele me encarregava
Assim como da tarefa de
alimentar a porcada
– Meu apelido na escola
agora era “lavaginha”
Maldito cheiro de
porcos… que me acompanhava
E. Jovanucci
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